Como o cérebro aprende a sentir e se acalmar
O amadurecimento neurológico da autorregulação emocional na infância.
AUTORREGULAÇÃO EMOCIONAL


1. Um cérebro em construção
O cérebro humano nasce com um número imenso de neurônios, mas com poucas conexões entre eles.
Essas conexões — chamadas de sinapses — são moldadas pelas experiências emocionais e pelas relações de cuidado.
Nos primeiros anos de vida, o cérebro se desenvolve “de baixo para cima”: as áreas mais primitivas (como o tronco cerebral e o sistema límbico) amadurecem antes das regiões superiores responsáveis pelo pensamento, planejamento e controle emocional (como o córtex pré-frontal).
Por isso, nenhuma criança nasce sabendo se autorregular. Ela aprende a partir da regulação externa, ou seja, do modo como o adulto responde, acolhe e nomeia as emoções.
2. Primeira infância (0 a 3 anos): o alicerce da regulação
Nesta fase, o sistema límbico — onde está a amígdala, responsável pelas respostas emocionais intensas — está bastante ativo, enquanto o córtex pré-frontal ainda é imaturo.
A criança sente tudo com intensidade, mas não tem ainda circuitos cerebrais capazes de modular essas emoções.
⚙️ O que acontece no cérebro:
• A amígdala é hiper-reativa e domina o comportamento emocional.
• O hipocampo (memória) ainda é imaturo, então as experiências emocionais não são bem organizadas.
• O córtex pré-frontal — que ajuda a inibir impulsos e planejar ações — ainda está em formação.
🧩 Na prática:
• Birras, gritos, choros longos e reações desproporcionais não são sinais de “mau comportamento”, mas de imaturidade neurológica.
• O adulto que mantém a calma, nomeia a emoção e oferece segurança física e afetiva está ajudando a criança a formar conexões entre emoção e razão.
Exemplo: “Você ficou bravo porque o brinquedo quebrou. Eu sei que é difícil.”
Essa frase ajuda o cérebro da criança a associar sensação → emoção → palavra → segurança.
🧠 O que os adultos podem fazer:
• Manter previsibilidade na rotina (diminui o estresse límbico).
• Falar com tom calmo e ritmo constante (regula o sistema nervoso autônomo).
• Ajudar a criança a nomear emoções simples: “triste”, “bravo”, “com medo”.
3. Infância intermediária (4 a 7 anos): o cérebro começa a integrar emoção e razão
Nessa fase, o córtex pré-frontal começa a estabelecer maior comunicação com a amígdala — surgem as primeiras bases do autocontrole e da empatia.
A criança passa a reconhecer melhor o que sente e começa a perceber que o outro também sente.
⚙️ O que acontece no cérebro:
• A mielinização (revestimento dos neurônios que agiliza as conexões) está em pleno desenvolvimento.
• As conexões entre o sistema límbico e o pré-frontal tornam-se mais ativas, possibilitando o início da regulação emocional voluntária.
• A ínsula amadurece, aumentando a consciência das sensações corporais.
🧩 Na prática:
• A criança consegue conter reações por pequenos períodos (“esperar a vez”, “não bater”) — mas ainda precisa de ajuda.
• Começa a usar estratégias cognitivas rudimentares: “respirar fundo”, “pensar em outra coisa”, “pedir ajuda”.
• Pode compreender regras sociais e morais, mas a impulsividade ainda é forte.
Exemplo: uma criança de 5 anos que se irrita por perder no jogo chora, mas depois consegue dizer “tudo bem, na próxima eu ganho”.
Isso mostra um avanço no circuito pré-frontal, aprendendo a modular frustração.
🧠 O que os adultos podem fazer:
• Validar sentimentos, mas manter limites claros.
• Ensinar pequenas estratégias de pausa: “vamos respirar juntos”, “vamos contar até cinco”.
• Reforçar comportamentos de autocontrole com elogios específicos (“Você ficou bravo, mas esperou. Isso foi muito legal!”).
4. Segunda infância e pré-adolescência (8 a 12 anos): a consolidação das redes de regulação
O cérebro atinge uma fase de integração mais estável entre emoção, pensamento e comportamento.
O córtex pré-frontal já consegue exercer maior influência sobre o sistema límbico — embora na adolescência essa integração volte a ser desafiada por novas mudanças hormonais.
⚙️ O que acontece no cérebro:
• As conexões entre amígdala, córtex pré-frontal e cíngulo anterior tornam-se mais eficientes.
• Há maior capacidade de reavaliação cognitiva: pensar antes de reagir, entender causas e consequências.
• O hipocampo, já mais maduro, ajuda a contextualizar experiências emocionais (“da outra vez que eu esperei, deu certo”).
🧩 Na prática:
• A criança começa a conseguir prever consequências e formular estratégias (“se eu ficar bravo, posso perder o jogo”).
• Já é possível usar autoinstruções internas: “vou me acalmar”, “posso tentar de novo”.
• Os conflitos sociais ganham importância e servem como campo de treino da autorregulação.
Exemplo: uma criança de 10 anos que é criticada pelo colega na escola sente vontade de revidar, mas escolhe se afastar e conversar depois.
Esse é o pré-frontal atuando em pleno funcionamento.
🧠 O que os adultos podem fazer:
• Incentivar a reflexão: “Como você se sentiu?” / “O que você poderia fazer diferente?”
• Promover diálogos sobre emoções e não apenas regras.
• Ensinar estratégias cognitivas mais elaboradas: planejar, reavaliar, negociar.
5. A importância da co-regulação
O amadurecimento cerebral acontece dentro das relações.
Crianças aprendem a se autorregular porque, antes, alguém as ajudou a se regular.
Quando o adulto responde com calma, consistência e empatia, o cérebro da criança espelha essa calma — literalmente, através de neurônios-espelho e da redução da ativação da amígdala.
Uma criança aprende a se acalmar porque alguém ficou calmo com ela.
6. Em resumo
Idade: 0–3 anos
Áreas em destaque: Amígdala, hipocampo
Capacidades emergentes: Busca de segurança, reconhecimento básico de emoções
Papel do adulto: Regulação externa, nomear emoções
Idade: 4–7 anos
Áreas em destaque: Amígdala + Pré-frontal
Capacidades emergentes: Início do autocontrole, empatia inicial
Papel do adulto: Validar, ensinar pausas e limites
Idade: 8–12 anos
Áreas em destaque: Pré-frontal, cíngulo anterior, hipocampo
Capacidades emergentes: Reavaliação cognitiva, planejamento emocional
Papel do adulto: Estimular reflexão e autonomia emocional
7. Conclusão
O amadurecimento cerebral e emocional é um processo gradual, relacional e treinável.
Ao compreender como o cérebro se desenvolve, adultos e educadores podem abandonar interpretações moralizantes (“ele é teimoso”, “ela é geniosa”) e olhar para a criança como um organismo em aprendizado.
Cada momento de acolhimento, paciência e presença literalmente molda o cérebro infantil, criando as bases neurológicas da empatia, da serenidade e da autorregulação futura.
Referências essenciais
• Siegel, D. J. & Bryson, T. P. (2012). The Whole-Brain Child. Bantam.
• Schore, A. N. (2019). Right Brain Psychotherapy. Norton.
• Perry, B. D. & Winfrey, O. (2021). What Happened to You? Flatiron Books.
• Goleman, D. (2006). Emotional Intelligence. Bantam.
• Panksepp, J. (2011). Affective Neuroscience. Oxford University Press.
Leia também:
O Mapa Neural do Autocontrole - Como o cérebro organiza o diálogo entre emoção e razão;
Amígdala e Córtex Pré-frontal: O Diálogo que Sustenta o Equilíbrio Emocional;
DBT e autorregulação emocional: aliadas para as mulheres na perimenopausa e menopausa;
Quais são as últimas novidades sobre autorregulação emocional baseada em evidências? O que muda na eficácia da psicoterapia?; Marsha Linehan e a autorregulação emocional: o que a criadora da DBT nos ensina sobre lidar com emoções intensas; Autorregulação Emocional: ninguém nasce sabendo, mas todo mundo pode aprender; Mindfulness e Autorregulação Emocional, Autorregulação Emocional: O que James Gross ensina sobre como lidar melhor com as emoções
Acesse: www.dradanighorayeb.com.br
Endereço
Rua Santo Antonio, 191, sala 17
Cambuí, Campinas - SP
Email: dradbg@gmail.com


Todos os direitos autorais reservados 2025.
Designed by www.playart360.com
Horário de funcionamento
De segunda à sexta das 7 às 21h
Sábado das 8 às 13h
Telefone
(19) 99275-1665
@dradanighorayeb


