Quando o comportamento é um pedido de ajuda

Compreendendo e acompanhando as reações desafiadoras das crianças.

AUTORREGULAÇÃO EMOCIONAL

1. Antes de corrigir, é preciso compreender

Muitos adultos, ao se depararem com choros intensos, birras, teimosia, desobediência, agressividade ou crises emocionais, sentem frustração e exaustão.

Esses comportamentos parecem ser “oposição” ou “falta de limites”, mas na maioria das vezes são sinais de imaturidade neurológica e emocional — o cérebro da criança ainda não aprendeu a lidar com as ondas de emoção que sente.

Compreender isso é o primeiro passo para intervir de forma eficaz e empática.

Educar é, em essência, ajudar o cérebro infantil a amadurecer.

2. O cérebro da criança ainda está em construção

O cérebro humano se desenvolve de dentro para fora e de baixo para cima:

• As estruturas mais primitivas (tronco cerebral e sistema límbico) amadurecem primeiro.

• As estruturas superiores, responsáveis pelo controle, planejamento e tomada de decisão — especialmente o córtex pré-frontal — só se consolidam por volta dos 25 anos.

Nas crianças, portanto, as emoções chegam antes do raciocínio.

Quando algo as frustra, ativa-se a amígdala, que dispara reações intensas de raiva, medo ou desespero.

O pré-frontal, que poderia ajudar a conter essas respostas, ainda está “offline” — em desenvolvimento.

💬 O comportamento que o adulto vê é o resultado visível de um cérebro em desequilíbrio momentâneo.

3. Por que os comportamentos disruptivos acontecem

Os comportamentos desafiadores não surgem “do nada”. Eles são respostas — muitas vezes desorganizadas — a sobrecargas internas e externas.

Entre os principais fatores que influenciam, destacam-se:

🧩 1. Sobrecarga emocional

A criança sente emoções intensas e ainda não sabe o que fazer com elas.

Um simples “não” pode acionar memórias de frustração, medo de rejeição ou sensação de desamparo.

Como o sistema de autorregulação ainda é imaturo, a reação vem em forma de choro, grito ou agressividade.

2. Exaustão e estímulos em excesso

Sono insuficiente, excesso de telas, agendas lotadas e ambientes barulhentos aumentam o estresse neurofisiológico.

Com o cérebro cansado, o controle emocional diminui.

É como esperar calma de um sistema nervoso que está sem energia.

❤️ 3. Falta de segurança emocional

A criança que não se sente compreendida ou acolhida ativa o modo de defesa: oposição, irritação ou retraimento.

Essas reações são tentativas inconscientes de recuperar controle e vínculo.

🔄 4. Modelagem e contexto

O cérebro infantil é altamente imitativo.

Se convive com adultos que gritam, perdem o controle ou têm respostas agressivas, espelha esses padrões.

Por outro lado, se é exposto à calma e à clareza, aprende a responder com mais regulação.

4. O que acontece no cérebro durante uma crise

Durante uma explosão emocional, o sistema límbico (emoção) domina e “desliga” temporariamente o córtex pré-frontal (razão).

Isso significa que a criança não consegue ouvir, pensar ou refletir — ela está em um estado fisiológico de luta, fuga ou colapso.

O papel do adulto é restabelecer a segurança e não exigir racionalidade naquele momento.

Somente quando o cérebro da criança volta ao equilíbrio é que ela pode compreender e aprender algo com a situação.

💡 A calma do adulto é o antídoto neurobiológico para o descontrole da criança.

5. Como os adultos podem agir diante de comportamentos disruptivos

🌿 1. Regular antes de corrigir

Quando o comportamento explode, o primeiro passo é ajudar a criança a voltar ao eixo emocional — com tom de voz calmo, respiração tranquila e presença firme.

Exemplo: “Eu sei que está difícil. Eu estou aqui.”

Depois que ela se acalma, é possível conversar e orientar.

💬 2. Nomear a emoção

Dar nome ao que a criança sente ajuda o cérebro dela a reorganizar a experiência emocional.

“Você ficou bravo porque acabou o tempo de brincar.”

Essa nomeação ativa áreas do córtex pré-frontal, reduzindo a reatividade da amígdala.

🧠 3. Ensinar estratégias simples de autorregulação

Dependendo da idade:

• Respirar fundo três vezes.

• Contar até cinco.

• Apertar uma almofada, se afastar um pouco, desenhar o que sente.

Essas práticas treinam o cérebro a fazer pausas entre emoção e ação.

🤝 4. Reforçar os momentos de autocontrole

Elogiar quando a criança consegue se conter é mais eficaz do que punir quando ela não consegue.

“Você ficou irritado, mas respirou antes de falar. Isso foi muito bom!”

🧩 5. Revisar o ambiente e a rotina

Verifique se o problema não é sobrecarga de estímulos, sono ou insegurança.

Com frequência, o que parece indisciplina é apenas um sistema nervoso sobrecarregado.

6. Compreender para educar

Quando pais e educadores entendem que comportamentos desafiadores são sinais, não inimigos, a relação muda.

Em vez de punir o sintoma, passamos a cuidar da causa — ajudando o cérebro da criança a integrar emoção, pensamento e ação.

Educar, nesse sentido, é um trabalho de tradução emocional:

traduzir o que a criança não sabe dizer em palavras e devolver isso a ela em forma de acolhimento e aprendizado.

💬 “Toda vez que um adulto se regula diante da desregulação de uma criança, ele está ensinando, silenciosamente, o caminho da autorregulação.”

7. Conclusão

Os comportamentos disruptivos não são falhas de caráter, mas expressões de um cérebro em desenvolvimento.

Quando os adultos reagem com compreensão, firmeza e empatia, oferecem à criança a experiência mais poderosa de todas: a de que é possível sentir intensamente sem se perder na emoção.

E é assim — um episódio de cada vez — que se constrói o amadurecimento emocional.

Referências essenciais

• Siegel, D. J. & Bryson, T. P. (2012). The Whole-Brain Child.

• Perry, B. D. & Winfrey, O. (2021). What Happened to You?

• Schore, A. N. (2019). Right Brain Psychotherapy.

• Panksepp, J. (2011). Affective Neuroscience.

• Linehan, M. M. (2015). DBT Skills Training Manual.

Leia também:

Como o cérebro aprende a sentir e se acalmar;

O Mapa Neural do Autocontrole - Como o cérebro organiza o diálogo entre emoção e razão;
Amígdala e Córtex Pré-frontal: O Diálogo que Sustenta o Equilíbrio Emocional;
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